OLIVÉRIO: – Como se deve interpretar o fato de uma pessoa, no paroxismo do desespero, por exemplo, invocar a Deus e receber, em seguida, o auxílio divino que acalma sua agitação e lhe permite resistir com maior serenidade e inteireza ao momento crucial que esteja vivendo? Recebe ela de verdade essa ajuda? Seria apenas uma consequência do influxo divino da religião que professa? E, se for assim, como se explica que o mesmo bem seja alcançado com igual prodigalidade pelos que não professam religião alguma? É este um mistério no qual eu gostaria de penetrar.
PRECEPTOR: – É comum observar que ninguém ou muito poucos se recordam de terem um espírito que anima a vida, o qual permanece quase estático enquanto o ser físico age movido somente pelas necessidades de ordem rotineira que a vida corrente lhe apresenta, sendo muito raras as vezes em que esse espírito tem oportunidade de comovê-lo com outros objetivos. E é precisamente nesses momentos de aflição que atormentam o ser, que aparece delineando-se uma das formas mais atraentes e sugestivas do espírito, pois este se manifesta na própria sensibilidade, respondendo ao clamor da angústia. Esse simples fato reconforta e suaviza as durezas do transe amargo, permitindo recobrar a serenidade e, depois, a calma perdidas.
Não se deve, pois, atribuir isso a nenhum milagre, nem se enganar com a crença de que se teve algum auxílio particular, oriundo da Divina Providência. Nada irrisória seria a tarefa do Criador se, pela mera invocação de cada uma das criaturas humanas, devesse Ele atender a suas demandas de auxílio. Diferentemente disso, devemos pensar que no próprio espírito do ser é onde existem recursos aos quais sem saber se apela, ao se dirigir a Deus nos momentos mais álgidos da vida.
OLIVÉRIO: – Acho inteiramente lógico o que o senhor acaba de manifestar; vejo agora que a criatura humana não é tão desvalida como se acredita, já que, até mesmo nos transes mais difíceis de sua vida, ela encontra a seu alcance o recurso salvador.
PRECEPTOR: – É mesmo assim; e se você compreende bem isso, verá então como provém de Deus, sem dúvida alguma, a grande ajuda recebida em tais circunstâncias. Mas é ali, precisamente, que reside o mistério: no fato de fazer chegar até nós esse auxílio por via indireta, ou seja, por intermédio de nosso próprio espírito, que é quem fortalece nosso ânimo, fazendo-nos experimentar não só a realidade de sua existência, mas também o rigor de sua censura, ao compreendermos que não devemos tê-lo em tão pouca conta, quando já se viu a importância que ele assume toda vez que procuramos nos elevar na busca de um consolo para nossa aflição, ou de uma luz que ilumine a vida ensombrecida pelo sofrimento.
Seria um erro pensar que, na emergência citada, Deus teria intervindo pessoalmente, e absurda é também a pretensão de crer que foi uma intervenção em particular, ao se sentir o alívio almejado. Fica bem claramente mostrado que existe no Grande Ser uma onisciência que abarca todos os âmbitos de sua Criação, achando-se o espírito, portanto, consubstanciado com essa força universal que obedece às leis criadas pela Inteligência Suprema. Um episódio da natureza do exposto não tem, pois, a menor repercussão cósmica, como não teriam para nós repercussão de transcendência alguma os gritos de um pintinho que, fugindo de um perigo, se salvasse inesperadamente.
(Trechos extraídos do livro Diálogos, p. 102)
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