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Entrevista | Fernando Comin apresenta panorama do legado no comando do Ministério Público de SC

Por: Marcos Schettini
22/12/2022 17:51
MPSC

Desde abril de 2019 exercendo o cargo de procurador-geral de Justiça de Santa Catarina, Fernando da Silva Comin superou grandes desafios e colocou o Ministério Público em destaque diante das necessidades dos catarinenses. Com mandato que encerra em abril de 2023, o chefe do MPSC concedeu entrevista exclusiva ao jornalista Marcos Schettini e apresentou um quadro dos resultados obtidos nos últimos anos na instituição que representa a promoção da Justiça.

Com sentimento de dever cumprido, Comin apontou os obstáculos enfrentados e as vitórias que marcaram os últimos anos no MP de Santa Catarina, relatando avanço das investigações contra a corrupção, crimes cibernéticos, crimes contra a vida e eleitorais. Afirmou que a eleição de 2022 “foi um período fácil não”, mas garantiu que a Democracia saiu mais fortalecida e que “não há sala secreta de manipulação de dados na nossa República”. Confira:


Marcos Schettini: Qual é o mapa de atuação do MP em 2022?

Fernando da Silva Comin: Foi um ano muito desafiador e de intenso de trabalho. Iniciamos ainda no processo de pandemia e aos poucos tivemos que fazer uma transição para uma retomada de vida normal, em todos os sentidos. Tivemos que focar nas necessidades sociais que se tornaram ainda mais agudas nesse período pós pandemia. O Núcleo Especial de Atendimento às Vítimas de Crimes, o NEAVIT, por exemplo, atendeu nos últimos sete meses quase 300 pessoas, a maioria mulheres vítimas de violência doméstica.

Em paralelo também lideramos discussões nacionais e locais de interesse público e intensificamos o combate à corrupção, à macrocriminalidade, à sonegação de impostos e o enfrentamento aos crimes cibernéticos.

No começo deste ano, criamos o Grupo de Investigação de crimes cibernéticos, o CyberGaeco, que já desmantelou um grupo que usava site e redes sociais para o tráfico de uma droga dez vezes mais potente que a maconha e também deflagrou operação para combater e coibir a pornografia infantil.

No combate à sonegação, recuperamos mais de meio bilhão de reais aos cofres públicos nos últimos quatro anos. Valores estes que deixariam de ir para serviços essenciais, como a saúde, educação e a segurança pública.

Criamos este ano uma Promotoria de Justiça especializada no combate aos crimes de racismo, de ódio e intolerância e iniciamos o atendimento de vítimas de crimes.

Desde que o Gaeco e os grupos anticorrupção passaram a atuar juntos, já cumpriram mais de mil mandados de busca e apreensão e mais de 400 de prisões, muitos com foro por prerrogativa de função, em dezenas de operações.

Só na última operação deste ano, a “Mensageiro”, foram apreendidos mais de 1,3 milhão em dinheiro vivo, mais de 280 milhões foram bloqueados e foram cumpridos 16 mandados de prisão e 109 de buscas e apreensões. Todas as prisões preventivas foram mantidas nas audiências de custódia.

Os promotores e promotoras de Justiça atuaram, ainda, no mutirão do júri e realizaram mais de 500 julgamentos este ano e conseguiram condenações exemplares.

O projeto de Fundo de Penas Alternativas direcionou cerca de R$ 5 milhões aos projetos apresentados pelas unidades locais das Polícias Civil e Militar, do Corpo de Bombeiros e do Instituto Geral de Perícias, em todo o estado.

A atuação do Ministério Público de Santa Catarina, como você pode ver, é imensa. Mas não posso deixar de citar o nosso envolvimento na aprovação da lei que criou o “ICMS Educacional”. A nossa articulação foi fundamental para que o Estado de Santa Catarina criasse uma nova forma de distribuição da cota de 25% do ICMS que cabe aos municípios, sem resultar aumento algum de imposto. Na vida de crianças e adolescentes, vai significar mais vagas de creche, escolas com melhor infraestrutura e uma educação com mais qualidade. Será um divisor de águas para a educação. Santa Catarina será uma grande referência em educação nos próximos dez anos.

Também tivemos uma vitória importantíssima no Supremo Tribunal Federal (STF). Um caso da Promotoria de Justiça da área da infância e juventude de Criciúma chegou na Suprema Corte e garantiu importante vitória para a educação básica das crianças de todo o país e para o desenvolvimento futuro do Brasil. Os ministros fixaram a tese defendida pelo MPSC de obrigar o Poder Público a assegurar creche e pré-escola a todas as crianças.

E como presidente do Grupo Nacional de Acompanhamento Processual do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça (GNP) fomentamos ao longo desse ano discussões para o fortalecimento de teses institucionais e para a uniformização de entendimentos entre as unidades do Ministério Público, sempre visando o melhor para o interesse da sociedade.

Schettini: Eleições tumultuadas, questionamentos das urnas eletrônicas, fakes. Qual o balanço?

Comin: É, meu amigo, não foi um período fácil não. Mas Santa Catarina deu exemplo de transparência para o País. Além da atuação primorosa dos nossos promotores eleitorais durante o primeiro e segundo turno das eleições, fizemos uma parceria com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), com anuência da Procuradoria Regional Eleitoral do Ministério Público Federal em Santa Catarina e testamos uma solução tecnológica, o QRTot, que permitiu a leitura do resultado da apuração em tempo real logo após o encerramento do processo eleitoral na urna. Criamos uma sala de situação na sede do MPSC para o acompanhamento da apuração dos votos pela ferramenta desenvolvida pelo TRE. O QRtot é um aplicativo para celular disponível a qualquer cidadão na loja do MPSC que permite ler e totalizar os votos depositados nas urnas eletrônicas a partir dos QR Codes impressos nos boletins de urna, integrando seus resultados ao somatório das leituras realizadas pelos demais usuários do sistema, em cada seção eleitoral do Estado.

A sala de situação foi aberta às 17h e reuniu a cúpula que esteve à frente do processo eleitoral no Estado - Presidentes do TRE, do TJ, da SSP, o PRE e o comando-geral da PM – com transmissão ao vivo pelas redes sociais do MPSC. Foi uma ação em defesa do regime democrático que mostrou que não há sala secreta de manipulação de dados na nossa República. E essa ferramenta inovadora, o QRTot, pode mudar o desenho da apuração das próximas eleições no Estado e no País.

Schettini: Qual foi a atuação do MP para coibir abusos e transgressões na questão eleitoral?

Comin: O Ministério Público de Santa Catarina atuou com os promotores de Justiça Eleitoral - um em cada zona eleitoral – tanto na fiscalização do cumprimento da legislação que regulamenta e ordena o pleito como na garantia da lisura e segurança de candidatos, eleitores e mesários. O Núcleo de Apoio Eleitoral, que atua junto ao Centro de Apoio Operacional da Moralidade Administrativa, prestou suporte jurídico aos promotores eleitorais desde o início do período eleitoral. No dia da votação, tanto no primeiro como no segundo turno, os promotores de Justiça Eleitoral atuaram para coibir ilegalidades e crimes eleitorais que poderiam ser praticados por candidatos, apoiadores, partidos ou até eleitores.Além disso, após o encerramento da votação, eles acompanharam a chegada das mídias de resultado no local de apuração de cada zona eleitoral e fiscalizaram a transmissão de dados. Atuamos também para garantir que os eleitores pudessem exercer a sua cidadania, o seu direito ao voto, de forma tranquila e segura.


Schettini: Há uma série de sinais de uso de laranjas eleitorais para desviar o Fundo Eleitoral. O que pode acontecer com eles?

Comin: A lei é bem clara. O candidato, administrador financeiro da campanha, ou quem de fato exerça essa função, que se apropriar de bens, recursos ou valores destinados ao financiamento eleitoral, em proveito próprio ou alheio, poderá ser condenado a uma pena de reclusão de dois a seis anos, como também a uma multa.


Schettini: Uso de laranjas e fartura de provas pode, por exemplo, impedir a diplomação de quem se elegeu?

Comin: Nenhum candidato pode ser diplomado até que suas contas sejam apresentadas. Porém, a rejeição destas não tem como consequência direta a não diplomação. No caso de desaprovação das contas de campanha, a Justiça Eleitoral remeterá cópia de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral, que abrirá uma investigação que pode resultar em uma ação de investigação judicial eleitoral ou em uma representação por captação e gastos ilícitos de recurso para fins eleitorais. Havendo condenação, poderá ser negado o diploma ao candidato, ou, caso já tenha sido realizada a diplomação, poderá ser cassado, o que terá como consequência a perda do mandato. Também, na hipótese de condenação por crime de apropriação dos valores ou recursos destinados ao financiamento eleitoral, após o trânsito em julgado da condenação, o candidato ficará o mesmo com os direitos políticos suspensos, o que em regra resultará na perda do cargo para o qual foi eleito. Já no caso de deputados e senadores, a perda do mandato está condicionada a apreciação das respectivas Casas Legislativas.


Schettini: É correto afirmar que uso do Fundo Eleitoral tem tudo a ver com leis frouxas e punições equivocadas?

Comin: O Fundo Especial de Financiamento de Campanha foi uma opção do legislador para financiamento das campanhas eleitorais após o julgamento pelo STF, em 2015, da inconstitucionalidade do modelo de doações eleitorais por pessoas jurídicas que tínhamos. Na época representavam por volta de 75% dos gastos oficiais das campanhas eleitorais. Na realidade, então, o que temos que buscar é o aperfeiçoamento desse sistema de financiamento eleitoral aprimorando os mecanismos de controle e fiscalização do uso de tais recursos públicos.


Schettini: A voz mais forte em defesa da sociedade é o MP. As acusações não demoram muito para serem executadas?

Comin: Qualquer apuração, seja ela criminal ou cível, exige um tempo natural de maturação, no qual são angariados elementos de prova para que seja realizada uma acusação responsável e segura. Nesse sentido, qualquer denúncia que aporta ao Ministério Público é apurada de forma imparcial e com a cautela devida, fazendo, assim, com que os envolvidos não sejam expostos indevidamente e, ao mesmo tempo, os interesses da sociedade sejam resguardados. No que se refere ao tempo de execução das condenações criminais, infelizmente, de fato, há uma demora excessiva. Desde que o STF, em 2019, reconheceu a impossibilidade do início da execução penal após o esgotamento da segunda instância, o que vemos são condenações que não são efetivadas no tempo devido. O sistema processual penal permite uma série de recursos e incidentes que fazem com que os processos se arrastem e os condenados não cumpram as penas impostas enquanto não esgotadas todas as instâncias. O Ministério Público sempre combateu esse tipo de prática, tanto que fortalecemos nossas estruturas para, na medida do possível, fazer com que os processos tenham tramitação mais céleres e as penas sejam aplicadas e cumpridas.


Schettini: Estas manifestações antidemocráticas em frente aos quartéis pedindo golpe militar não é um pedido para o MP agir?

Comin: Temos um procedimento administrativo instaurado para acompanhar o cumprimento das ordens judiciais, proferidas em âmbito estadual e federal, e já entregamos para o presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes, um relatório robusto que integra os autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 519. Nele consta uma série de informações sobre a organização e financiamento de atos ilegais e antidemocráticos, esses que não são pacíficos, que impedem o direito de ir e vir e atentam contra a Democracia, e também há dados sobre a violência praticada contra as forças de segurança e sobre a presença de idosos e crianças como escudos humanos nos bloqueios. É sempre preciso compatibilizar o direito de manifestação com o interesse público. Todos têm o direito a livre manifestação desde que exercida de maneira legal, pacífica, sem prejudicar o transporte de insumos hospitalares, alimentos, a economia, enfim, o interesse das pessoas.

Schettini: Quais os avanços que o Sr. implantou à frente do MP?

Comin: A minha gestão como procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina termina em abril do ano que vem. Vamos deixar com certeza uma Instituição ainda mais presente na vida das pessoas e que soube se adaptar às necessidades do seu tempo. Ainda enfrentamos a pandemia do coronavírus, um desafio sem precedentes na história recente do planeta, que segue requerendo senso de responsabilidade de todos. Foi um período que não tínhamos respostas prontas e tampouco referência histórica.

Criamos soluções de acordo com o ordenamento jurídico e o interesse público. Temos um relatório que mostra toda a nossa atuação resolutiva, colaborativa e voltada ao diálogo, sem se furtar de cobrar as soluções do Poder Público, mesmo que judicialmente, quando necessário. O Procedimento Administrativo instaurado pela Procuradoria-Geral de Justiça logo no início da crise foi arquivado no início de novembro deste ano.

Vamos deixar um legado de iniciativas estruturantes em diversas áreas de atuação. Na defesa e o apoio às vítimas de crimes, por exemplo, criamos um programa que se organiza a partir da cooperação de vários órgãos e instituições que, a depender do caso apresentado, direcionam as vítimas de crimes para o local necessário. O NEAVIT já atendeu quase 300 pessoas, a maioria mulheres vítimas de violência doméstica, cometida pelo companheiro ou ex-companheiro.

E no combate aos crimes de racismo, de ódio, de intolerância, de preconceito e de discriminação, a instituímos o Núcleo de Enfrentamento a Crimes Raciais e de Intolerância, o NECRIM e criamos a uma Promotoria de Justiça da Capital com abrangência estadual especializada no enfrentamento desses crimes.

No combate à corrupção e à macrocriminalidade, descentralizamos as estruturas dos grupos anticorrupção, os GEACs, para oito regiões do estado, e passaram a atuar em conjunto com os GAECOs. Com isso, começamos a atuar numa outra perspectiva de prioridade, os crimes contra a administração pública.Essa integração resultou em dezenas de operações que desmantelaram organizações criminosas e levaram à prisão muitos agentes públicos com foro por prerrogativa de função.

Também criamos o CyberGaeco, o Grupo de Investigação de Crimes Cibernéticos, para atuar nos crimes cometidos nos espaços da internet, a deep web e a dark web. Fortalecemos o apoio às Promotorias de Justiça da área criminal, com aquisições de sistemas para auxiliar nas investigações. Intensificamos o incentivo à resolutividade com a criação da câmara permanente de resolução de conflitos e a câmara administrativa de mediação de conflitos.

Estabelecemos, ainda, uma política de inovação e criamos um laboratório para fomentar experiências inovadoras com diretrizes que passaram a orientar todos os setores e áreas da instituição. Com essa reestruturação, a nossa gerência de inovação gerou mais de 250 produtos, que resultaram em mais de 450 aplicações. Também passamos a desenvolver aplicativos e soluções tecnológicas. Uma delas foi a Catarina, uma atendente virtual que já prestou mais de 120 mil atendimentos virtuais.

Colocamos à disposição de todos de forma gratuita um aplicativo com os serviços do MPSC mais procurados pelos cidadãos, o MPCatarina, e ainda criamos uma série de ferramentas para auxiliar no enfrentamento à pandemia.

Criamos, ainda, o Centro de Apoio da Saúde Pública. A pandemia acentuou a necessidade de um olhar mais individualizado, mais especializado, mais próximo das demandas de saúde pública de nosso estado. Precisamos fortalecer a saúde pública, gratuita, de qualidade, universal, igualitária e integral, por que, meu amigo, como diz aquela música do Barão Vermelho, todo mundo é igual quando sente dor.

E para ampliar a comunicação das Promotorias de Justiça lá na ponta com a imprensa local e estadual regionalização a nossa área de comunicação social. Uma forma da sociedade compreender cada vez mais a essência da nossa atuação e da nossa dimensão social. Passamos também a veicular conteúdos informativos e educativos nas 240 emissoras de rádio e nas 10 emissoras de TV do nosso Estado.

Enfim, tenho muito orgulho do que construímos à frente do Ministério Público de Santa Catarina. Não fiz nada sozinho, tive uma equipe que abraçou a missão de fazer uma Instituição que efetivamente fizesse diferença na vida das pessoas. Tenho que agradecer a todos os Promotores e Promotoras de Justiça e servidores e servidoras que sempre me apoiaram e que dedicam suas vidas a fazer o melhor à sociedade, especialmente aos mais vulneráveis, aos hipossuficientes.


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