Por Vitória Schettini
Para Marc Bloch, a História é “uma ciência dos homens no tempo”, já para Lucien Febvre, é uma “ciência humana" e não como uma "ciência dos fatos históricos", que concebe a História como interpretação e não como explicação. Já para Durval Muniz de Albuquerque Júnior, a “História serve à vida”.
Nesse sentido, seguindo na trajetória acadêmica, recentemente, a historiadora Valdirene Chitolina finalizou seu doutorado pela Universidade de Passos Fundo (UPF), no Rio Grande do Sul, em quatro anos, abordando um tema de importante relevância ao Oeste catarinense.
Em entrevista ao Lê NOTÍCIAS, a professora conta como foi o processo de pesquisa e escrita de sua tese, que tematiza o patrimônio e a memória indígena nas escolas públicas do Oeste de Santa Catarina.
FORMAÇÃO ACADÊMICA
Valdirene é graduada em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Palmas (1992), tem mestrado em História Regional, pela Universidade de Passo Fundo (2008) e doutorado em História Regional pela mesma instituição (2022), sendo, atualmente, professora na rede pública de Xaxim.
ESCRITA DA TESE
Segundo ela, o problema de pesquisa usado para nortear sua tese foi sobre a historicidade da ocupação indígena desta região, indagando como a história indígena é abordada no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio nas escolas públicas não indígenas da região Oeste de Santa Catarina.
Para se chegar aos resultados, a historiadora xaxinense dividiu a tese em quatro capítulos, sendo o primeiro sobre “Oeste indígena: povoações remotas”, o segundo “Uma região de fronteira: fricções étnico-históricas e a delimitação geográfica do (atual) Oeste catarinense”, o terceiro acerca de “Os usos da memória, do patrimônio arqueológico, cultural e etnolinguístico indígena no Oeste catarinense” e, por último, “A temática indígena e suas relações com a escola”.
OBJETIVOS DE PESQUISA
Para que pudesse se guiar na escrita e pesquisa do doutorado, Valdirene se baseou também nos objetivos de pesquisa, que foram essenciais nesta etapa.
“Em primeiro lugar, objetivando entender as abordagens dadas à história indígena de longa duração no Oeste catarinense e observando o passado em conexão com o presente, por meio das representações da memória e do patrimônio arqueológico e em livros didáticos sobre a história e cultura indígena, pretende-se, assim, alcançar a dimensão dos conteúdos e das formas como os processos históricos de ocupação indígena do território estão presentes no ambiente escolar”, ressalta ao .
Para isso, a xaxinense estudou as narrativas e observações de especialistas, na história dos grupos que viveram ou ainda vivem no atual Oeste catarinense e suas áreas adjacentes. “Em Santa Catarina, são quatro as ocupações humanas pré-coloniais: os caçadores-coletores – os primeiros a ocuparem o território, provavelmente compostos por diferentes etnias –, os povos dos sambaquis, os Jê e os Guarani - nesta ordem. Com exceção dos sambaquieiros, assentados no litoral, os demais integram o recorte espacial estudado nesta tese”, afirma Valdirene.
Os próximos objetivos se centraram, de acordo com ela, na discussão panorâmica da delimitação geográfica do Oeste do Estado, região fronteiriça com a Argentina, com inúmeros pontos de fricções étnico-históricas (entre indígenas, negros, caboclos, descendentes de europeus e outros), além da percepção popular e pública dessas existências e de sua história.
“Vale destacar a ‘existência’ (realidade) e a ‘percepção’ que fazem a memória. Identificando os usos da memória, do patrimônio arqueológico, cultural e etnolinguístico indígena, chega-se à problematização da apropriação desses conhecimentos na Educação Básica, por meio da análise dos livros didáticos e das ações perpetradas na sala de aula de escolas públicas não indígenas da região Oeste de Santa Catarina”, destaca.
JUSTIFICATIVA E METODOLOGIA USADAS
A pesquisa se justificou por diagnosticar e propor uma abordagem significativa sobre a presença indígena histórica e seus sentidos, ancorada na memória dos remanescentes arqueológicos e demais patrimônios dos povos originários. Assim, sendo uma investigação exploratória e de campo, com tratamento quali-quantitativo, amparada em fontes documentais, visuais, orais e bibliográficas.
CONSIDERAÇÕES ALCANÇADAS PELA PESQUISA
Em relação aos resultados obtidos na pesquisa, Valdirene pontua que, no capítulo quatro, esclarece que a condição real da história indígena regional do Oeste de Santa Catarina, ao menos na amostra estudada, está na contramão das propostas da Lei n° 11.645. A lei estabelece as diretrizes e bases para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-brasileira e Indígena.
“Cerca de 56% dos docentes desconhece essa lei; 53,9% têm mais de 40 anos, ou seja, concluíram o Ensino Superior antes de sua implantação. Já 89,8% não receberam nas suas escolas cursos de capacitação sobre a história e a cultura dos povos indígenas constituidores de sua região e 73,7% se sentem incapacitados para trabalhar a temática indígena na sala de aula. Esses resultados demonstram que a Secretaria de Educação de Santa Catarina e as Secretarias Municipais de Educação desprenderam tempo insuficiente, ou não desprenderam tempo, com a formação continuada sobre a temática indígena regional para os profissionais da Educação Básica”, ressalta.
Além disso, segundo ela, há os dados de que os estudantes tiveram pouco contato ou nenhum contato com a cultura indígena em sala de aula.
“Aproximadamente 83,8% dos estudantes jamais visitaram lugares relacionados à temática indígena; 87,3% não vivenciaram, no ambiente escolar, a experiência de uma pessoa indígena contar sobre suas histórias e cultura e 76% dos docentes informaram que nas bibliotecas escolares não há espaços específicos com obras sobre a temática dos povos indígenas da região ou do país escritas por especialistas ou de autoria indígena. Assim, ao serem questionados sobre o passado dos povos indígenas da região, os alunos fizeram associações exclusivas com a alimentação e deram raros detalhes sobre a moradia”, expõe Valdirene.
No decorrer da produção dos quatro capítulos de sua tese, Valdirene aponta que a construção do patrimônio histórico indígena tem diferentes apropriações. Assim, esse patrimônio histórico não é partilhado, de maneira efetiva, para o público em geral e dentro das escolas.
“Muitas vezes, a escola, por razões estruturais que perpassam políticas públicas, não trata esta memória e patrimônio de modo significativo, pois, historicamente, não os considera de seus antepassados diretos. Logo, a temática se refere a populações “diferentes” e, até mesmo, “adversárias”, tradicionalmente apresentadas por olhos eurocêntricos. De modo geral, os docentes têm noções científicas limitadas a respeito do assunto, e o material didático acessado não apresenta a complexidade cultural dos povos indígenas da região”, sublinha a historiadora.
Ao finalizar a tese de doutorado, Valdirene destaca a necessidade de maior relevância à cultura e história indígenas dentro do ambiente escolar, local em que é, atualmente, marginalizado devido à reprodução de conteúdos eurocêntricos.
“Na escola, essa história é tratada, hierarquicamente, com status subalterno, em virtude da perpetuação de conteúdos considerados “superiores”, apesar das tentativas frustradas da Lei n° 11.645/2008. A aplicação desta lei, nas redes municipais e estaduais do Oeste catarinense, de acordo com os dados levantados na pesquisa, ao que tudo indica, ofusca estereótipos nos materiais didáticos, mas não desvia docentes e discentes para longe do senso comum em relação à temática indígena sobre o lugar onde vivem”, relata ao Lê.
Na conclusão, a xaxinense relata que é possível popularizar a cultura material/imaterial indígena e percebê-la como patrimônio para as populações atuais de indígenas e não indígenas, especialmente para as comunidades escolares da região Oeste catarinense.
“Neste contexto, entra o direito e o respeito devido às minorias, que a legislação atual aponta. E, como este respeito é devido às minorias de agora, ele entraria do mesmo jeito às populações indígenas do passado. Dessa forma, se tornariam populações de caçadores-coletores, Jê/Kaingang, Xokleng, Guarani, e não mais caquinhos”, finaliza.
LEITURA DA PUBLICAÇÃO
Aos interessados, em breve a obra estará disponibilizada na Rede de Bibliotecas da UPF, de forma on-line. A busca poderá ser feita por meio da referência: CHITOLINA, Valdirene. Memória e patrimônio indígena nas escolas do Oeste catarinense. Tese (Doutorado em História) – Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, 2022.Rua São João, 72-D, Centro
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