Por Jamil Garcia*
Nesta vida, já é penosa a tarefa de carregar o peso dos nossos próprios erros, daqueles tropeços inevitáveis que nos ensinam, mas também nos ferem. Porém, mais cruel ainda é suportar os erros que nos inventam, as culpas que não pedimos, as falhas que não cometemos, mas que nos são imputadas como uma marca indelével. É como se o mundo nos cobrasse pelo que sequer fizemos, aumentando o fardo já pesado de existir.
Vivemos imersos nas agruras da vida: os dias passam depressa, consumidos por um tempo que nunca parece suficiente. O futuro nos espera, mas sempre como uma sombra incerta, carregada de dúvidas e medos que nos assombram. Não sabemos se estamos no caminho certo, se as escolhas de hoje aliviarão o peso do amanhã ou apenas somarão novas pedras à bagagem.
E assim seguimos, arrastados pela pressa, sufocados pela falta de tempo para nos escutar, para refletir, para compreender o que realmente nos pertence e o que nos foi imposto. Carregamos mágoas que nem sempre são nossas, lutamos contra tempestades que nem ao menos provocamos. E, no meio disso tudo, nos perguntamos se haverá um alívio, uma pausa, uma trégua.
Talvez, o mais cruel seja essa constante incerteza: não saber se a vida é justa, se há razão no que vivemos, ou se apenas navegamos à deriva, tentando sobreviver em meio ao caos. Afinal, quanto do peso que carregamos é nosso, e quanto é apenas reflexo do olhar alheio?
Sim, parece que há um artifício engenhoso da mente humana, que, por uma questão romântica chamarei-a de SOMA (a pílula da felicidade outrora apresentada por Aldous Houxley), oferece uma trégua quase mágica ao caos cotidiano. Um comprimido que nos rouba da realidade, suspende o tempo, nos mergulha em um limbo entre a consciência e o esquecimento. Durante essas horas em que a mente repousa sob seu efeito, as agruras da vida se tornam nada mais que sombras distantes, incapazes de nos alcançar.
É um alívio tentador, um refúgio momentâneo onde os medos, as incertezas, a pressa e o peso dos erros – sejam nossos ou inventados – se dissolvem como névoa ao sol. No sonho, as correntes se quebram, e somos livres, ainda que por um instante. Por vezes, até vislumbramos paisagens idílicas, cenários onde a vida parece fazer sentido, onde o mundo não nos oprime com sua brutalidade cotidiana.
Mas, inevitavelmente, o sonho termina. O curso natural retoma seu caminho, e com ele retornam as dores, os dilemas, as culpas. A brevidade desse “lindo sonho” faz com que o alívio oferecido pela SOMA seja tanto uma bênção quanto um lembrete cruel: a realidade sempre nos espera ao final do efeito.
E assim, seguimos. Oscilamos entre a lucidez amarga e a suspensão temporária, entre o desejo de enfrentar a vida como ela é e a tentação de fugir dela, mesmo que por algumas horas. Afinal, quem poderia nos julgar por desejar, ainda que artificialmente, um pouco de paz?
*Bacharel em Direito pela Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina. Oficial de Gabinete da 1ª Vice-presidência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Especialista em Direito Civil pela Universidade Anhanguera. Especialista em Administração Pública e Gerência de Cidades pela Faculdade de Tecnologia Internacional – FATEC. Especialista em Gestão e Legislação Tributária pela Faculdade de Tecnologia Internacional – FATEC. Especialista em Ciência Política pela Universidade Candido Mendes – UCAM. Autor de tantos outros artigos para revistas científicas e periódicos do cotidiano
Rua São João, 72-D, Centro
AV. Plínio Arlindo de Nês, 1105, Sala, 202, Centro