O mundo deixou para trás esses pequenos seres de chapéus pontudos e botas gastas, escondidos em troncos ocos e jardins encantados do inconsciente fantasioso de crianças, bem como se adultos que tiveram uma infância saudável. É uma pena, pois na ausência deles, parece que também perdemos o essencial: a capacidade de imaginar sem limites, de viver sem a urgência da produtividade, de parar para contemplar sem a pressa do ponteiro dos segundos.
A sociedade ingressou no mundo da corrida desenfreada, dos exibicionismos midiáticos, das competições sem regras ou princípios, das relações superficiais e dos valores paradoxais…
Ao perder a conexão com os seres que encantavam nossas infâncias e depois passavam a vida a nos lembrar de que é preciso manter um pouco de inocência para que a vida seja leve, passamos a viver tempos em que tudo precisa ter um propósito imediato, uma justificativa pragmática, um utilitarismo ganancioso. O lúdico se dissolve na velocidade dos toques ansiosos nos teclados de WhatsApp, Instagram e quejandos, na pressa do consumo, na lógica fria da vitória imposta pela opinião das massas e não a vitória conquistada pelo convencimento dos que pensam criticamente.
O brincar já não é sobre construir laços, mas sobre vencer sempre e a qualquer custo.
Não há mais pega-pega sem intenção estratégica, polícia e ladrão sem hierarquia imposta, esconde-esconde sem ansiedade por ser visto de forma grandiosa como o melhor na arte de se disfarçar. Agora se aprende que existir é competir e que, na impossibilidade de crescer pelo próprio mérito, resta a alternativa de destruir quem o faz, rasgar biografias passou a ser qualidade dos rasteiros que ocupam as ribaltas podres e fétidas de uma modernidade vazia.
A tecnologia nos conectou ao mundo, mas não nos aproximou. Trouxe facilidades, mas não nos tornou mais e melhores humanos.
O avanço vertiginoso das mídias digitais trouxe inúmeros benefícios, mas também acelerou um fenômeno preocupante: a erosão de valores humanos essenciais. Quanto mais rápida a conexão, mais efêmeras se tornam as interações; quanto maior a exposição virtual, mais superficial se torna a identidade real.
Ficamos mergulhados em redes sociais, ilhados nos abismos de um conceito coletivo escasso de valores sólidos. Cada vez mais observados, analisados, julgados, desprezados e desprezíveis, bem como menos compreendidos, pois quem não se importa com o próximo, não busca nem deseja ser compreendido por ele.
A vida se transforma em um espetáculo de aparências, onde o valor de alguém é medido por curtidas, seguidores, engajamento — em vez de caráter, generosidade, profundidade existencial, conhecimento ou obras edificantes.
Hoje, em sua maioria, vemos vidas vazias, as quais não se preenchem com curtidas ou seguidores, pois lhes falta aquilo que realmente alimenta o espírito: o vínculo sincero, a amizade genuína, o tempo compartilhado sem interesse oculto.
Bons eram os tempos dos gnomos e histórias como a de “Pedrinho e o Barquinho Amarelo”, tempos em que uma amizade era feita no balanço de uma árvore, na travessura de uma aventura imaginária de herói e bandido, no pacto silencioso de proteger um segredo infantil e na promessa de trilhar um longo caminho na realização de um sonho.
Saudades dos tempos de Sítio do Pica-Pau Amarelo, dos gnomos e dos Smurfs, dessas histórias que nos ensinavam que o essencial não estava no que se acumula, mas no que se constrói com sentimento e de preferência com parceria com alguém que está, de fato, próximo de corpo e alma.
Que possamos resgatar um pouco dessa magia. Que possamos lembrar que a vida não é apenas sobre vencer, mas sobre viver. Que o lúdico volte a ter espaço em nossas vidas, para alimentar nossa imaginação.
.Talvez os gnomos não existam, mas o que eles representavam pode — e deve — voltar a existir em nós, sob pena de a humanidade, na busca incessante por inovação, esquecer sua própria essência.
O desafio não está em frear o avanço tecnológico, mas em aprender a usá-lo sem permitir que nos desfigure e transforme todos em “Frankensteins”, cujo coração pulsa no ritmo dos algoritmos das mídias eletrônicas.
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