Essa proposta do governo em transformar a multa do FGTS em um imposto progressivo para empresas com elevada rotatividade de funcionários reflete uma tentativa de ajustar o mercado de trabalho, mas traz consigo uma série de implicações complexas, especialmente do ponto de vista jurídico e empresarial.
Análise da Medida
O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi instituído pela Lei nº 5.107, de 1966, e a multa de 40% sobre o saldo do FGTS em caso de demissão sem justa causa é um instrumento para proteger o trabalhador e garantir uma compensação mínima pela perda de emprego. Transformar essa multa em um imposto progressivo atrelado à rotatividade de pessoal busca desestimular demissões frequentes, mas pode criar distorções no equilíbrio entre direitos dos trabalhadores e a gestão empresarial.
1. O Direito de Demitir:
No Brasil, a legislação trabalhista permite a demissão por justa causa e sem justa causa, com os devidos pagamentos de verbas rescisórias. A empresa tem o poder de rescindir o contrato de trabalho quando julgar que o funcionário não está contribuindo adequadamente para a organização. Esse poder de gestão é fundamental para garantir a eficiência e a competitividade do mercado, e medidas que desestimulam as demissões podem acabar engessando o poder de decisão da empresa, especialmente em cenários de baixa produtividade e falta de engajamento do empregado.
2. Produtividade e Qualidade no Trabalho:
O argumento de que a empresa deve garantir a manutenção de empregos, mesmo que o funcionário seja improdutivo, é equivocado. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) oferece diversos mecanismos para proteger o trabalhador, mas também deve haver equilíbrio com a necessidade da empresa de manter uma força de trabalho produtiva e competitiva. Medidas que dificultam a demissão podem gerar um efeito contrário, com empresas ficando receosas de contratar novos funcionários, o que, a longo prazo, pode prejudicar o próprio trabalhador.
3. Impacto Econômico e Jurisprudência:
Empresas que operam em setores com alta rotatividade — como o comércio e a construção civil — podem ser mais penalizadas, mesmo que a alta rotatividade nesses setores seja muitas vezes decorrente de características naturais da atividade e não de uma má gestão. A progressividade da multa poderia gerar questionamentos jurídicos sobre a violação do princípio da isonomia, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, ao tratar de forma desigual empresas que, por suas características, enfrentam maior rotatividade de mão de obra.
4. Alternativas para Reduzir a Rotatividade:
Em vez de criar mais impostos ou onerar o custo de demissão, políticas públicas poderiam focar em incentivos para a qualificação da mão de obra e para a manutenção do emprego, como subsídios para treinamentos, flexibilização da legislação trabalhista em situações específicas e incentivo a contratações de longo prazo. Isso promoveria um ambiente de trabalho mais produtivo e competitivo, sem engessar o mercado.
Reflexão Final
A proposta de transformar a multa do FGTS em um imposto progressivo parece, à primeira vista, mais uma forma de aumentar a arrecadação do que de promover a estabilidade do emprego de maneira justa. Isso porque ela coloca um ônus excessivo sobre as empresas, retirando-lhes a liberdade de gerir sua força de trabalho de acordo com a produtividade. A empresa não pode ser responsabilizada de forma desproporcional por manter um funcionário improdutivo ou que não se alinha aos seus objetivos estratégicos. O efeito pode ser inverso: ao criar barreiras para demissões, o governo pode acabar prejudicando a criação de novos empregos.
Afinal, o verdadeiro equilíbrio no mercado de trabalho deve ser construído por meio de políticas que promovam produtividade e desenvolvimento contínuo dos trabalhadores, e não por meio de medidas punitivas que desconsiderem a complexidade da gestão empresarial.
Caso esta proposta avance, será essencial o acompanhamento da jurisprudência e dos debates legislativos para entender como a medida se moldará dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
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