Este primeiro final de semana de maio foi paradoxal: enquanto os amantes do esporte e do entretenimento tiveram diversas opções de distração e divertimento, como o futebol de sempre, as corridas de automóveis na televisão e o gigantesco show da Madonna no Rio de Janeiro; também estes não puderam ficar alheios à realidade das notícias que chegavam (e continuam chegando) do Rio Grande do Sul, mostrando um terrível panorama de destruição.
O fim de semana que poderia ser marcado apenas pelas músicas da estrela pop ou das torcidas nos estádios, ganhou um fundo musical mais triste, como se as gotas de chuva que continuavam a cair sobre os telhados gaúchos, que também serviam como refúgio para algumas famílias, soassem como réquiens ou como alarme para uma nova onda de destruição.
"Uma estrela global, uma cidade de sonho, uma praia lendária" - Foram essas as palavras que o jornal francês Le Monde publicou sobre a presença de Madonna no Brasil. A publicação destacou o início da apresentação, na qual a cantora apareceu para apresentar "Nothing Really Matters", Cuja letra traz apelos que vão muito além da linguagem erótica e libertária de Madonna que muitos idolatram. Nesta canção é dito que tudo o que eu fizer (ou der) para o outro retornará para mim; ou seja, expõe as ideias de entrega, reciprocidade e altruísmo que, bem analisadas, ultrapassam as mensagens imediatas de seus figurinos e suas coreografias irretocáveis.
E é aqui, exatamente neste ponto de análise, que eu me pego a pensar naquela gente que estava à espera de um barco para ser resgatado à beira de um rio, com a água no pescoço, ou à espera de um helicóptero que descesse um pouco mais depressa do que as águas subissem, enquanto 1,6 milhão de pessoas se acotovelavam em Copacabana. Alguém ali estava minimamente interessado em alguma vida sendo salva no Rio Grande do Sul? Será que a letra de "Nothing Really Matters" realmente tocava aqueles corações todos? Não quero aqui julgar, muito menos condenar. Acredito que todos nós temos direito à diversão, ao entretenimento e ao lazer e relaxamento, mas é impossível ao ser humano se manter alheio às tragédias. E, agora, no nosso caso, como brasileiros, temos que olhar com ação e compaixão para o Rio Grande do Sul. Em todas as reportagens que li sobre o show, não vi ninguém se referir à tragédia.
Em uma das últimas entrevistas do governador Eduardo Leite a qual assisti, ele disse: "Vamos precisar de medidas absolutamente excepcionais. O Rio Grande do Sul vai precisar de um Plano Marshall, de medidas absolutamente extraordinárias. Quem ja foi vítima das tragédias não pode ser vítima de desassistência e da burocracia..." Para quem não sabe, o Plano Marshal foi proposto pelo Estados Unidos depois da Segunda Guerra, e financiou a reconstrução daquela Europa totalmente destruída. Parece-me que o apelo do governador foi atendido pelo governo Federal, pois uma comitiva de ministros, acompanhada pelo presidente da República já chegou ao Rio Grande do Sul no domingo.
Estou agora escrevendo no conforto do meu quarto. Não sinto frio nem calor excessivos. Apenas fico imaginando o terror daqueles que ainda estão ilhados e inseguros no Rio Grande do Sul, sob o risco de serem atacados por cobras, escorpiões, aranhas, ratos ou pela própria urina destes animais. Estou pensando na fome que podem estar sentindo e, principalmente, no medo e na angústia de passarem mais uma noite em desabrigo.
Não. Não podemos nos furtar à alegria, seja a do show ou a do futebol. Mas, cada um à sua maneira, precisa colaborar para amenizar o sofrimento do próximo ou do próximo que está geograficamente um pouco mais distante de um estádio ou de um palco em Copacabana.
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