Mesmo que pudéssemos voltar atrás em algumas decisões tomadas no passado, nada nos garante que hoje estaríamos mais felizes ou com mais dinheiro no banco. Nossas vidas são como os palíndromos, frases que podem ser interpretadas da mesma maneira quando lidas da esquerda para a direita ou vice-versa. Então, a grosso modo, o fim das nossas vidas seria como a seguinte frase: “a base do teto desaba” (tente ler isto que está entre aspas de trás para a frente).
Perceba, então, que neste caso o “desaba” pode ser sinônimo de lápide.
Que fique claro o seguinte: não haverá julgamento sobre alguns atos e escolhas que escapem de preconceitos e de opiniões formadas sobre nós ainda quando éramos crianças ou quando adolescentes, fase em que somos apaixonados por novidades e aventuras.
Mesmo depois de ultrapassada esta época de descobertas, sempre haverá um antigo vizinho ou uma tia afeita à intriga para destilar veneno e, talvez, o pai e a mãe a consonarem com eles.
Seguem alguns exemplos: “Sabia que ele ia dar errado, ao invés de me acompanhar na oficina, preferia assistir futebol ou jogar bola na rua”... “Avisei que esse aí não daria certo, não ia para a igreja”... Talvez o pai ou a mãe ainda pudessem se justificar, afirmando: “Não sei porque trazia tantos livros para ler em casa, quando o lugar de ler é na escola”.
Não escrevo nesta crônica a minha autobiografia, mas passei por situações parecidas e presenciei outras bem próximas do parágrafo escrito acima.
Apesar de tudo, o fato mais importante não é saber que os maiores palíndromos da Língua Portuguesa sejam “Socorram-me subi no ônibus em Marrocos” ou “Seco de raiva, coloco no colo caviar e doces.” (Novamente, peço que leiam estas últimas frases entre aspas de trás para a frente), pois o mais importante, quando uso destas curiosidades da Língua Portuguesa é refletir sobre a própria vida, sobre tudo aquilo que não pode ser revisto, revisitado e revisado, como se pudéssemos andar para trás e refazer um certo percurso que não se mostrou tão certo assim, pois muitas vezes acontece de nossos passos não serem os mais certeiros e de nossas atitudes ou palavras, ditas espontaneamente, não serem as mais apropriadas para o momento.
Sem dúvida, muitas vezes nossa língua funciona como um chicote. Porém, nada disso nos pode fazer vítimas de algum engano ou gesto mais incauto e espontâneo. Somos todos falhos, principalmente quando obrigados a falar em público, sem um discurso pré-produzido.
O que precisa ser relativizado é o que existe entre o falar e o gesto. Fernando Pessoa dizia, em seu poema Mensagem: “se trago as mãos distantes do meu peito é que há distância entre intenção e gesto”, verso imortalizado (se já não fora antes, apenas por ter sido escrito e impresso) pela voz de Chico Buarque em “Fado Tropical”.
Nestas breves linhas pretendo dizer que não há possibilidade de qualquer recuo em nossas vidas, de maneira que tornem uma determinada convivência ou situação exatamente a mesma do que ela significou no início.
A realidade, a vida, não se resume a uma frase que pode ser lida de trás para a frente. Infelizmente, algumas vezes temos que admitir que certas perdas são mesmo irreparáveis, por culpa própria ou circunstâncias alheias às nossas vontades.
Todos os passos que damos, apesar de tudo e principalmente, todos os tropeços ou pedras no caminho, jamais escaparão das nossas memórias e retinas, da mesma forma que nunca escapariam de julgamentos de terceiros (alguns bem intencionados, outros apenas traiçoeiros).
Nossas vidas podem, sim, ser um palíndromo. Porém, ao tentarmos ler a própria vida de trás para a frente, mesmo que o roteiro imaginado contenha novas expressões ou palavras, ela sempre terá um significado diferente do original, do momento realmente vivido, vivenciado e sentido.
A vida pode sim ser um palíndromo, mas apenas como memória. Alguns resgates são impossíveis, mesmo que banhados por lágrimas.
Por um lado é bem triste. Por outro é a lembrança de que sempre pode haver um recomeço.
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