Neste 19 de junho, Chico Buarque completa 80 anos de idade, quase todos dedicados à música e às letras. Ao lado de Vinicius de Moraes (que antes de se unir à música através de parceiros ilustres e talentosos como Tom Jobim e Toquinho) já era poeta, Chico Buarque é dono de alguns dos versos mais bonitos da música popular brasileira.
Para exemplificar esta minha afirmação vou citar alguns deles. Os primeiros estão na letra de “Pedaço de mim”: A saudade é arrumar o quarto / Do filho que já morreu. Isto é de uma profundidade imensa, coisa rara de acontecer na nossa música popular, especialmente naquela produzida atualmente, exceções guardadas ao acadêmico Gilberto Gil, ao também genial Caetano Veloso, e a algumas composições de Zeca Baleiro e Arnaldo Antunes.
“Arrumar o quarto do filho que já morreu” é de uma profundidade cruel, pois vai muito além do fato em si, dos gestos que podem ser imaginados na frase, mas nos remetem a todos os sentimentos de perdas que o decorrer dos anos nos traz: saudades de abraços, carinhos e beijos ou de pessoas e lugares que hoje só podemos rever em amareladas fotografias. “Arrumar o quarto do filho que já morreu” é a vã tentativa de tentar revisitar um tempo que jamais será repetido. É a inútil esperança de que poderíamos reconstruir a história, transformando tragédias em alegrias, lágrimas em sorrisos.
Outros versos maravilhosos estão em “Eu te amo”, que ele compôs em parceria com Tom Jobim. Ele escreveu, entre outros versos brilhantes, se na bagunça do teu coração, meu sangue errou de veia e se perdeu. A música é romântica, mas a inversão de raciocínio é que a faz mais fascinante, pois a letra diz que o coração “bagunçado”, aflito, é o dela, mas o sangue perdido é o dele. Desta forma, o enredo deixa de ter apenas um protagonista, mas coração de um e sangue de outro passam a ter o mesmo peso. Aliás, toda a letra é repleta de imagens que só poderiam ser mesmo criadas por uma mente genial.
Mas, Chico Buarque foi além. Desde cedo se mostrou devoto da democracia, driblou a ditadura dos generais, escrevendo, junto com Gilberto Gil, Cálice, que na época seria uma forma de driblar a ditadura militar que assolava o país, pois o Cálice poderia ser lido como “cale-se”. Também escreveu, em “Apesar de Você”, Você que inventou a tristeza, Ora, tenha a fineza de desinventar, sugerindo que os malfeitores desfizessem todo o mal que cultivaram.
O que importa é que Chico Buarque chega aos 80 anos com dignidade, pois muito contribuiu para que todos nós tivéssemos vida mais digna, com democracia, boa música e excelente poesia.
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