Arte & manhas | Se fosse possível voltar atrás

Se fosse possível voltar 50 anos, tenho claro que não cometeria os mesmos erros e exageros. Também não pediria para ser mais feliz do que já fui.

Pediria a mesma sensibilidade que tenho para admirar a beleza e, talvez, alguma capacidade de amplificá-la, traduzindo o que eu vi de uma forma mais exata, expressando toda a admiração, a estupefação e todos os desejos sentidos diante de um quadro, de uma fotografia ou de uma especial pessoa que, de repente, se postasse à minha frente.

Pediria mais tranquilidade para enfrentar problemas, pois não vivo nenhum dilema, nem mesmo com relação à vida e à morte, pois a segunda é apenas um complemento e o importante é não ser morto-vivo ou, pior: vivo-morto.

Não pediria, agora, mais cabelos negros, pois os brancos que me enfeitam a cabeça não me apavoram, apenas me embelezam.

Se fosse possível voltar atrás, talvez evitasse olhares, sorrisos, risadas e vozes que me enfeitiçaram e me levaram a uma pouco santa inquisição. A penitência pelo pecado de admirar estes gestos é bem dura e nos marcam por toda a vida.

A palavra “talvez”, que agora repito neste texto indica a possibilidade (mas não a certeza!), de que as coisas seriam muito distintas se as atitudes ou gestos passados fossem diferentes do movimento original, do automático impulso provocado pela paixão, empolgação ou alguma outra forma de euforia.

Pensando muito bem, jamais será possível reconstruir a própria vida apenas com a acumulação de memórias felizes ou de experiências devastadoras. E, se eu pudesse mesmo voltar atrás, pediria que cada minuto vindouro fosse uma fonte de novas descobertas, pelo descobrimento de novas e deliciosas palavras, que “talvez” fizessem meus textos e poemas mais compreensíveis e palatáveis.

Às vezes penso que “talvez” e “quase” se equivalem de alguma forma. A diferença está apenas na forma verbal em que estas palavras são utilizadas, a primeira no subjuntivo e a segunda no indicativo. Vamos aos exemplos: Talvez eu tivesse sido mais feliz com ela e Quase fui feliz com ela.

Se eu pudesse voltar atrás, talvez pudesse ter me empenhado em desenvolver outras habilidades, pois esta história de escrever histórias não me garante a sobrevivência. Talvez pudesse ter sido marceneiro, construindo janelas e projetando telhados. Quem sabe, poderia ser arquiteto, imaginando casas maravilhosas sendo erguidas em largos campos ou escarpadas encostas. Mas... meu único talento é escrever um pouquinho.

E, para concluir, ee eu pudesse voltar atrás, certamente pediria para ser apenas o que sou. Mas pediria a mim mesmo que não cometesse os erros que já cometi, quando feri amigos, amigas e irmãos. Beijos!