Não importa o que façamos como preparação para a morte, ela nos chegará de qualquer forma; com aviso prévio, em caso de doença crônica ou em forma de acidente. Assim, de qualquer maneira, por mais que desfiemos rosários ou entoemos louvores, jamais estaremos preparados para enfrentá-la, ao contrário do que escreveu Manuel Bandeira em “Consoada”:
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
O fato é que a luta do homem contemporâneo é uma insana e louca tentativa de ludibriar o tempo e derrotá-lo, esquecendo-se de um aspecto muito importante: na sociedade capitalista em que vivemos, nada é feito para durar eternamente, e isto se reflete na maneira que encaramos o mundo e as relações interpessoais, levando-nos a relacionamentos superficiais, forjados a partir de vínculos extremamente frágeis.
A incerteza com relação ao futuro, mesmo ao futuro próximo, ao amanhã ou depois do amanhã, nos instiga à busca do prazer imediato, da imediata satisfação plena dos nossos desejos, levando-nos a subestimar a necessidade de construirmos relações mais seguras de confiança e amizades mútuas. E o mesmo podemos dizer com as relações amorosas que num primeiro momento se apresentam promissoras, mas que acabam por se degradarem diante dos apelos da modernidade que, através da publicidade e das redes sociais, primam por transformar seres humanos em mercadorias descartáveis, tal e qual os produtos que anunciam.
Sim, esta é a triste realidade: não importa a essência de cada um, mas a avaliação do que podemos oferecer como moeda de troca em termos econômicos e financeiros, independentemente das nossas capacidades de afeto, carinho, cortesia, gentileza e empatia.
Afetamos e somos afetados por atitudes, atitudes humanas. Para tanto, necessitamos urgentemente criar e estabelecer novas formas de relacionamento, na qual imperem valores não monetários. Isto implica em desrespeitar algumas regras estabelecidas pela sociedade competitiva em que vivemos, partindo para a construção de vínculos que priorizem o que cada um pode oferecer em termos de amizade e bons sentimentos.
De nada vale presentear alguém com um bom perfume ou artigo luxuoso se tal oferta estiver contaminada por segundas intenções: teria o mesmo efeito de um comprimido tranquilizante para a consciência de quem fez a oferta, embora quem a recebesse até pudesse sentir, por alguns instantes, certa satisfação.
Para que relacionamentos sinceros e justos se estabeleçam é preciso que sejam estabelecidas relações de confiança mútuas, pois a autoconfiança é construída a partir da confiança que recebemos daqueles com quem nos relacionamos, num movimento de ilimitada reciprocidade. Por isso, antes que chegue “a indesejada das gentes”, precisamos tecer redes de respeito mútuo, amor e solidariedade.
Através destas redes teríamos a possibilidade de enfrentar qualquer crise e desafiar todas as agruras e severidades deste mundo, pois não nos sentiríamos como náufragos em um barco à deriva; e, então, saberíamos como reagir.
Se estivermos atentos à necessidade de estabelecermos estes sinceros vínculos, aguentaremos todos os “rounds” desta luta que apelidamos “Vida”, e venceremos nossos medos conscientes ou inconscientes que às vezes nos paralisam e incapacitam, mesmo sabendo que a morte um dia nos visitará.
De nada nos vale pensar em imortalidade. Além disso, nos importa mais acreditar que através do amor podemos construir uma teia com os nós da segurança e da liberdade. A imortalidade é um pressuposto antinatural, e a única maneira de nos perpetuarmos é através do amor, pois o amor é eterno.
Para concluir, deixo aqui alguns versos de Beto Guedes:
“O medo de amar é o medo de ser livre, para o que der e vier, livre para sempre estar onde o justo estiver”.
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