Confesso que demorei algum tempo até me autodenominar escritor, pois o desafio de produzir literatura implica em luta contínua em busca de maturidade, consistência e aprimoramento técnico, sem que haja prejuízo à leveza e à fluidez da imaginação. Assim, acredito que o estilo deva evoluir ao ponto de permitir construções retóricas mais ousadas, mas sempre preservando o respeito básico à bela, complicada e fascinante Língua Portuguesa.
Para que esta caminhada nos renda algum retorno prazeroso, no sentido de que a mensagem tenha algum efeito na alma de quem a recebe, precisamos ser profundos, sem sermos complexos. Havemos de cuidar que a mensagem seja simples, por mais tortuosos sejam os caminhos pelas quais ela se enveredou e se desenvolveu.
Porém, devemos admitir que muitas vezes não nos resta opção, principalmente quando se trata de assunto polêmico ou muito específico, que não seja um aprofundamento intelectual, que sempre deve ser acompanhado de referências a quem se interessar mais pelo que está sendo colocado em discussão. Por muitas vezes, não dá para ser tudo ao mesmo tempo: não podemos ser autores e intérpretes a tempo inteiro.
Assim, a intenção e o desejo de quem escreve é ser entendido a partir de sua ideia original; porém, é preciso que abra espaço para o debate e a contradição, para a réplica do leitor, para aquela dúvida que pode deixar “uma pulga atrás da orelha”, como o genial Machado de Assis conseguiu em “Dom Casmurro” ao construir os personagens de Capitu e Bentinho.
A função de quem escreve é capturar uma palavra solta ao vento e transportá-la à uma forma material, decifrável e interpretável, fazendo com que ela seja o primeiro tijolo na construção de uma narrativa qualquer. Assim, o escritor se torna uma espécie de garimpeiro que, através desta primeira “palavra-diamante”, começa a construir um grande tesouro a ser compartilhado. Deve-se então, valorizar este encontro metafísico entre o ser e a palavra, não se preocupando com as demais joias que ainda se encontram ocultas, mas que podem brotar a qualquer instante, pois a dita inspiração pode surgir de forma inusitada, a partir do resgate de alguma memória até então perdida ou de um fato novo e extraordinário que nos encharque de adrenalina e acelere o coração.
Escrever pode ser o antídoto capaz de apagar o que algum dia nos fez infelizes, e por outro lado pode significar a ponte que nos leva ao caminho da nova esperança. Por isto é que a criação de obra ficcional leva o autor a imaginar situações novas que no texto final serão combinadas com experiências pessoais próprias ou de terceiros.
De qualquer maneira, desfrutar logo cedo de boa literatura – e quando digo “logo cedo” me refiro à infância – é algo que se memoriza para a nossa falível eternidade, da mesma forma que lembraremos até a morte do bolo de fubá da nona, do primeiro grito de gol em estádio lotado, do primeiro beijo e da primeira lágrima de amor.
Enfim, o desafio de escrever sempre passa pela necessidade de sempre oferecer algo palatável ao leitor, mesmo que o estilo não se atenha a modismos e tendências temporais, a modernidades fluidas e descartáveis que contenham neologismos e expressões que definharão com o tempo.
A boa literatura é – e sempre será – um pilar de apoio para a civilidade e cidadania.
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