A avicultura industrial teve um protagonismo extraordinário em 2020: adaptou-se para produzir sem cessar na pandemia, protegeu seus trabalhadores, abasteceu o mercado interno e manteve em expansão as exportações de carne de aves. Em 2021 o mercado deve manter-se aquecido, mas novos desafios sobrevirão como a escassez de milho e o contínuo enfrentamento o Covid-19.
Essas e outras questões são abordadas nessa entrevista pelo presidente da Associação Catarinense de Avicultura (ACAV) José Antônio Ribas Júnior.
Como foi o ano de 2020 para a avicultura?
Desafiador. Sob vários aspectos, desafiador. A pandemia colocou toda a cadeia de valor a prova quanto à capacidade de produzir e cuidar das pessoas. Neste quesito o setor foi exemplar. Com uma capacidade de aprender e se adaptar que orgulha a todos nós. Em 2020, o suprimento de grãos, insumo essencial à atividade, trouxe custos adicionais significativos. Há muito que se fazer neste tema, que continuará relevante em 2021. Por outro lado, os consumidores no Brasil e no mundo passam por adaptações. Rendas, empregos e novos hábitos de vida e de consumo são variáveis que tornam o cenário complexo, mas também com oportunidades importantes. Entretanto, mesmo com tanta complexidade, a resiliência do setor nos faz fechar o ano com saldo positivo. Crescemos a produção e ampliamos nossas exportações. Seguimos cumprindo nosso papel de protagonismo em SC e no Brasil.
A pandemia do novo coronavírus mudou a vida de pessoas, famílias e empresas. De que modo afetou a avicultura brasileira e catarinense em 2020?
De várias maneiras. Desde novos hábitos até novos cuidados em todos os processos de nossa vida profissional e pessoal. Sob a ótica de produção, foram incorporados inúmeros procedimentos para que todos pudessem seguir produzindo alimentos (atividade essencial). Milhões em investimentos foram realizados na viabilização destes procedimentos. Também doações foram feitas para que Estados e Municípios pudessem cuidar das pessoas. Ficarão muitos legados na saúde, por exemplo. Enfim, juntos enfrentamos este desafio além dos portões de nossas fábricas. Outro exemplo são nossos parceiros – produtores, transportadores – todos de maneira responsável e patriótica fizeram sua parte para não faltar alimentos.
Nas cidades, novos hábitos estão em transição. Voltar a se alimentar em casa com a família foi um deles. Alimentos mais convenientes e saudáveis estão ganhando espaço. E nosso setor tem as competências para atender estes quesitos. Por outro lado a perda de renda e emprego preocupa. Entretanto, o nosso setor liderou a geração de empregos. Mesmo na crise batemos recordes de produção. Isso gerou renda e empregos aos catarinenses e brasileiros. Mais uma contribuição relevante à sociedade, pois alavancamos a economia para a recuperação, permitindo que Estados e Municípios investissem em saúde e educação. Em resumo, a soma destas variáveis trouxe oportunidades ao setor, graças ao espírito do empreendedor catarinense de fazer parte da solução e não do problema.
Em sua opinião, a situação de emergência sanitária que o Brasil e o Mundo vivem estará superada em 2021?
Todos queremos acreditar que sim. Mas toda a sociedade precisa compreender que esta tarefa, antes de ser coletiva ou do Estado, é de cada um de nós. Mais cedo iremos superar quanto mais mantivermos a guarda alta quanto aos cuidados individuais. O novo ano chegará com os mesmo desafios. Mas há uma diferença que nos faz ter muita esperança: aprendemos sobre isso e hoje temos mais conhecimento a disposição. Vacinas estão sendo disponibilizadas, protocolos de cuidados estão consolidados e cabe a cada um cuidar de si e do próximo. Com estes ajustes teremos um ano que nos trará de volta a normalidade. Não será uma jornada rápida, mas precisa ser eficiente. O País precisa retomar a atividade econômica. Muitas atividades foram duramente afetadas, como o setor de serviços, especialmente, o turismo. Retomar nosso crescimento é essencial para a qualidade de vida de todos. Nosso setor tem feito sua parte. Cuidamos de gente e ampliamos a produção.
A superação da crise econômica vai depender da superação da crise sanitária?
Em grande parte sim. A retomada de muitas atividades movimenta a roda da economia. Esta roda girando, gera riqueza, por consequência, emprego e renda. Essas variáveis recuperam o consumo. A recuperação de consumo traz de volta investimentos. E, por fim, investimentos geram novos empregos e rendas, ou seja, todo o sistema se retroalimenta numa espiral de crescimento. Desta forma, todos precisamos entender o nosso papel neste processo: quanto mais nos cuidarmos, mais cedo e mais rápido esta roda irá girar. Todos ganham. Obviamente que outros fatores macroeconômicos e políticos afetam este processo. Mas não há novidade nisso.
As exportações brasileiras de carne de frango foram fortemente favorecidas em razão das doenças que atacaram os planteis da China... Esse quadro se manterá em 2021, a China continuará importando esses imensos volumes de carnes?
Entre os fatores macro que citei, certamente a China ocupa papel central nisso. Sabemos da capacidade Chinesa de recuperação, mas também sabemos que não poderão abrir mão do Brasil como parceiro relevante no abastecimento de alimentos. Temos qualidade e custos competitivos. O cenário de 2021 deve ser muito semelhante ao atual. Na China, mesmo com o aumento da produção interna de frango e com sensíveis melhoras nos aspectos sanitários de suínos, estas disponibilidades não são imediatas. Talvez em 2022 possam trazer repercussões. Certamente, a partir de 2023 o cenário muda. Isso nos remete a ampliar nossas relações com este país para que continuemos sendo um fornecedor prioritário. Também é fundamental buscarmos negócios e ou ampliarmos com outros Países parceiros comerciais.
As indústrias de abate e processamento de aves e suínos estão preocupadas com as maciças exportações de milho e soja. O preço desses grãos explodiu em 2020 e há ameaça até de desabastecimento interno. Com enfrentar esse desafio em 2021?
Este tema tem ocupado muito a agenda do setor. Os custos de produção se elevaram com as cotações dos grãos e a dificuldade em repassar estes custos torna a situação preocupante. Podemos ter redução de produção, por consequência, de disponibilidade. Isso, fatalmente, afetará os preços ao consumidor. O enfrentamento desse cenário exige ações imediatas, no curto prazo, e ações estruturantes no médio e longo prazos. Não podemos ficar expostos a esta situação. As iniciativas de importação e aumento da produção de cereais de inverno –especialmente nos 3 estados do Sul – ajudarão, mas não serão suficientes sob a ótica de custos. No longo prazo precisamos ações estruturantes de logística de grãos para as regiões de produção de proteína e o setor operar de maneira efetiva no mercado futuro. Há outras ações sendo tratadas junto ao governo federal. Todos estão sensibilizados para buscar alternativas para este cenário.
Santa Catarina desistiu do intento de ser autossuficiente em milho? Ou descobriu que isso se tornou impossível?
A autossuficiência não é o alvo. Nossos objetivos estão em ampliar a disponibilidade interna. Este sim deve ser nosso projeto de Estado. Muitas frentes estão em andamento. Cito como exemplo a recuperação e ampliação da produção de cereais de inverno. É fundamental que façamos ações efetivas neste sentido. O nosso setor, Governos do Estado, Produtores e Cooperativas, juntos, podem fazer a diferença no sentido de ampliar as disponibilidades. As tratativas estão acontecendo e tenho certeza que, literalmente, colheremos bons resultados.
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