A audiência pública que debateu o novo código estadual de Vigilância Sanitária apontou como principal encaminhamento uma discussão conjunta entre os quatro colegiados que vão debater o Projeto de Lei (PL) 253/2018. A ideia, sugerida pela deputada Luciane Carminatti (PT), é que as comissões de Finanças e Tributação, Constituição e Justiça, Saúde e Meio-Ambiente tenham um único relatório antes de a proposição ser discutida no Plenário.
Relatora da matéria na comissão de Finanças, a deputada sugeriu também que a ata da audiência seja anexada ao projeto. “Vira um documento oficial e todas as falas de hoje devem ser levadas em consideração”, defendeu.
Presidente da Comissão de Saúde, o deputado Neodi Saretta (PT) citou a importância da proposta, pois o “código vigente é de 1983 e está bastante defasado”. Na opinião dele a matéria exige uma análise profunda.
“Tenho preocupação, pois quando se fala em novos projetos, quando se discute taxas e custos, é importante que não se estabeleça nenhuma taxa exorbitante, além de ter o máximo cuidado possível para não onerar as atividades. Temos que nos preocupar com todos os setores, mas também com a saúde do trabalhador. Santa Catarina está em débito, no meu entendimento, neste sentido, pois é um dos estados que mais têm questões de acidentes de trabalho”, argumentou.
O deputado Vicente Caropreso (PSDB) destacou que, com a pandemia, alguns fatores se tornaram “mais fortes” e estão sendo incorporados ao novo código. Ele lembrou ainda que, por muito tempo, prefeituras e entidades interessadas fizeram vários pedidos em relação à dificuldade para se obter alvarás e para a abertura de novos negócios. “Foram ouvidos em 2019 na CCJ, mas na Comissão de Finanças não houve momento para debate em função da pandemia”, explicou.
O deputado Bruno Souza (Novo) opinou que “o Estado não pode ser” um empecilho. “Temos que evitar que a burocracia torne esses negócios produtivos em inviáveis. Precisamos ter um código de Vigilância Sanitária possível para o setor produtivo. Precisamos produzir, gerar emprego e renda. Não podemos ficar caindo em armadilhas burocráticas e nos limitarmos pela incapacidade do Estado em encontrar soluções”, avaliou.
Ao final da audiência, ele sugeriu que as 16 emendas criadas em debate com a sociedade civil nos últimos anos sejam consideradas. “Gostaria que fossem consideradas novamente no relatório. Já existe um bom escopo produzido do que resumem as preocupações do setor privado”, falou.
SETORES INTERESSADOS
Realizada de forma conjunta após convocação dos vice-presidentes das comissões de Saúde, Caropreso, e de Finanças, Carminatti, a audiência ouviu representantes de vários setores atendidos pelo código. Lucélia Scaramussa Ribas, diretora de Vigilância Sanitária, explicou que quase todas as cidades catarinenses desenvolvem ações de baixo e médio risco sanitário, enquanto nas maiores há também atividades de alto risco.
“O Estado atua na fiscalização e monitoramento dos de alto risco. A maior parte das cidades tem códigos locais, nos quais já há taxações que são mais atualizadas que o código estadual”, informou.
De acordo com ela, a lei atual é anterior à Constituição de 1988 e à Constituição Estadual de 1989, à Lei Orgânica do SUS, aos processos de descentralização, desburocratização e simplificação.
“Está desatualizada em novos conceitos e práticas das ações das vigilâncias sanitárias e com novos regramentos. A gente precisa atualizar, até pela emergência em saúde pública vivida com a pandemia. A reformulação já prevê isso, introduz conceito de risco e beneficio potencial, incorpora novas tecnologias, como concessão de alvará sanitário por meio de autodeclaração e autoinspeção, atualização de valores de multas revisadas, permitindo o escalonamento na avaliação e aplicação de penalidades. Isso confere segurança jurídica a todos os profissionais de fiscalização”, citou.
Entre as principais mudanças a proposta prevê descentralização de ações, apoio matricial do Estado capacitando profissionais, sistema de informação e roteiros de autoinspeção definidos por legislação em vigor e a inclusão da saúde do trabalhador como um ponto a ser protegido. Sobre as penalidades para infratores, ressaltou Lucélia, a multa é só uma das penalidades. Infrações leves variam entre R$ 1,2 mil e R$ 8 mil, as graves entre R$ 8.000,01 e R$ 50 mil e as gravíssimas de R$ 50 mil a R$ 250 mil.
Raphael Dabdab, presidente da Associação de Bares, Restaurantes e Hotéis de Santa Catarina (Abrasel-SC), lembrou que o Brasil é referência em segurança alimentar no mundo, com regras mais rígidas do que as da Europa e dos Estados Unidos. Na visão dele, é necessário simplificar, desburocratizar e desonerar o sistema.
“Não devemos dar passos para trás. Um dos grandes desafios é construir algo que faça sentido desde um pipoqueiro até uma BRF, uma das maiores empresas do mundo. Por isso defendemos multas proporcionais ao faturamento”, afirmou.
Eduardo Marques Macário, superintendente de Vigilância Sanitária em Saúde, considerou que a grande novidade no projeto é a introdução de conceitos de risco e benefício potencial. “É um importante avanço para setor produtivo e de serviços. A autodeclaração favorece o empreendedorismo sem se eximir da saúde da população. A atualização das multas, embora tenham impacto visível, trazem o escalonamento, que leva em consideração atenuantes, agravantes, reincidências e condições financeiras dos estabelecimentos. E serão as últimas ações a serem tomadas”, garantiu.
AVANÇO
Por sua vez, o coordenador-geral do Fórum Saúde e Segurança do Trabalhador no Estado de Santa Catarina, Bruno Martins Mano Teixeira, disse ver “com ótimos olhos” o avanço e a retomada da discussão sobre o código. “Outro destaque é a questão do matriciamento, que segue uma lógica de capacitação e apoio constante do Estado para os municípios, para os fiscais que trabalham na ponta, no contato direto com a população. E estamos muito satisfeitos com a inclusão de uma parte sobre a saúde do trabalhador, que define práticas contínuas visando à redução e eliminação dos riscos”, relatou.
Marcos Vinícius de Oliveira Neves, presidente da Associação dos Conselhos Profissionais de Santa Catarina (Ascop/SC), informou que a proposta atinge diretamente um universo de aproximadamente 300 mil profissionais registrados, além da população em geral. Por isso, para ele é fundamental ter a atualização da lei, com novas diretrizes da legislação nacional.
André Lima, procurador jurídico da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas de Santa Catarina (FCDL/SC) apresentou um receio do setor que representa. Segundo ele, 95% das empresas são de micro e pequeno porte, então há temor que os novos valores das multas possam afetar a área, ainda que exista a intenção de fazer da multa somente em caso extremo.
Regina Celi Teixeira Reis Almeida de Queiroz, assessora jurídica da Associação Catarinense de Supermercados (Acats), disse que a “falta de uniformidade de procedimentos” assusta em um primeiro momento não pela intenção de descumprimento da legislação, mas com a incapacidade de suportar a interpretação de alguns dos artigos, que podem gerar eventuais autuações e penalidades. “Essa questão deve ser vista com muito cuidado para que não se utilize uma nova lei como punitiva e não educativa. Estamos abertos ao diálogo e à possibilidade de trabalharmos juntos”, citou.
Micheli Poli Silva, presidente da Câmara de Desenvolvimento das Indústrias de Alimentos e Bebidas da Fiesc, disse dar total apoio ao código e fez algumas sugestões. Sobre o artigo 11, que trata da questão do trabalho, seguindo ela, é algo que precisa ser mais discutido, por causa da concorrência de legislações. “Imagine uma fiscalização do Ministério Público do Trabalho e outra da Vigilância Sanitária. Quem a empresa precisa responder?”, indagou.
Em relação ao artigo 12, que prevê treinamentos e capacitação dos fiscais, disse ela, seria importante que quem fiscaliza tenha responsabilidade técnica relativa ao setor vistoriado. Micheli sugeriu ainda que as multas sejam escalonadas de acordo com o porte da empresa e não pelo faturamento.
REIVINDICAÇÕES
O gerente de Articulação e Negócios da FCDL, Hélio Leite, comentou que a entidade tem “muito a contribuir”. Segundo ele, muitas sugestões já foram apresentadas ao longo dos anos, mas algumas coisas se perderam. “A gente não pode mais admitir a construção de um projeto de lei sem estar junto à sociedade civil, que tem muito conhecimento e experiência para oferecer.”
Guilherme Costa, representando a Facisc e a Fecomércio, pediu que sejam consideradas as proposições que as entidades vão apresentar nos próximos cinco dias. “Temos que combater a insegurança jurídica e a questão das multas abertas nos preocupa muito. É possível estabelecer esses parâmetros para isso”, afirmou.
Coordenador da Associação Catarinense dos Fiscais Municipais de Vigilância Sanitária, Evandro Back, citou que a maioria das ações de fiscalização voltada para alimentos ocorre nos municípios. “Temos entendimento técnico, mas precisamos do apoio político para conseguir conciliar essas ações e ter a segurança necessária. As dispensas de alvarás não dispensam a fiscalização. Somos a favor do código dentro da valorização dos fiscais, com padronização e treinamentos para a categoria”, contou.
Eduardo Bastos, gerente de Inspeção de Produtos da Vigilância Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde, explicou que os detalhes da proposta serão definidos em regulamentação posterior e decretos para cada área específica. “Sobre as multas, as atividades de baixo risco são fiscalizadas quase que exclusivamente pelos municípios, que atuam comércio, bares e farmácias. Esses valores [das multas no novo] código não se aplicariam nessas situações. O Estado fiscaliza os setores de médio e alto risco, como indústrias de medicamentos, hospitais, hemodiálise, entre outros”, esclareceu.
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