Jair Messias Bolsonaro, 63, é o novo presidente do Brasil —o 42º da história e o 8º desde o fim do regime militar (1964-85) que ele admira e cujo caráter ditatorial relativiza. O deputado do PSL-RJ derrotou neste domingo (28) o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad, do PT.
Bolsonaro liderou a mais surpreendente disputa eleitoral desde o pleito de 1989 a partir de agosto, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso desde abril por corrupção, foi declarado inelegível.
Haddad, plano B do PT que ocupava estrategicamente a vice de Lula antes de ser lançado candidato, conseguiu chegar ao segundo turno, mas nunca ameaçou a liderança do polêmico deputado.
Ele será o 16º presidente militar da história e o 3º a chegar ao poder pelo voto direto. Os outros foram Hermes da Fonseca, em 1910, e Eurico Gaspar Dutra, em 1945.
Dono de retórica agressiva e colecionador de polêmicas que lhe valeram pechas que vão de radical a fascista, é o primeiro eleito desde Fernando Collor (1989) a se declarar abertamente de direita.
Suas credenciais democráticas são questionadas constantemente, uma novidade em pleitos presidenciais também desde Collor. Há uma semana, disse que seus adversários deveriam ser presos ou exilados, enquanto vídeo no qual seu filho Eduardo citava ser fácil fechar o Supremo Tribunal Federal em caso de questionamento de uma vitória do pai circulava.
A campanha teve diversos ineditismos. O mais notável foi o atentado a faca que Bolsonaro sofreu durante um ato em Juiz de Fora (MG), no dia 6 de setembro.
Atingido no intestino, o deputado quase morreu e ficou fora da campanha de rua até o fim da disputa.
Transformou o hospital e, depois, sua casa no Rio em quartel-general de onde gravava vídeos para a internet e recebia apoiadores.
A facada desorganizou a estratégia de seus adversários e permitiu a Bolsonaro não se submeter ao escrutínio de debates televisivos —participou apenas de dois deles no primeiro turno, antes do atentado, e preferiu ignorar o confronto com Haddad mesmo estando em condições clínicas na segunda etapa.
A derrota petista é danosa ao partido de Lula, que de todo modo logrou chegar ao segundo turno e elegeu a maior bancada na fragmentada Câmara dos Deputados. Comandando o eleitorado nordestino e mantendo cidadelas na região e no Congresso, o partido está logrou um triunfo relativo após anos de crise.
A eleição foi também um plebiscito sobre o legado do ex-presidente. Haddad era Lula, como dizia a propaganda petista no primeiro turno, convenientemente alterada para uma ideia fracassada de “Frente Democrática” para a disputa deste domingo.
Bolsonaro quebra uma série de quatro vitórias presidenciais petistas. Mais que isso, encimou um tsunami de direita na eleição, com a expulsão de diversos nomes da esquerda e da política tradicional do Legislativo e também com a ascensão de nomes novos nas disputas por governos de estado.
O antipetismo encarnado pelo deputado transformou os partidos conservadores tradicionais numa terra arrasada. O PSDB, que havia amealhado metade do eleitorado em 2014 e perdido por pouco para o PT, foi praticamente extinto em sua encarnação atual.
Diversos fatores concorrem para explicar o sucesso de Bolsonaro. Sua raiz está nos protestos de rua de 2013, quando o sentimento “contra todos” tomou conta do país e derrubou a aprovação dos principais governantes.
No ano seguinte, a Operação Lava Jato entrou no cenário político, varrendo o PT e aliados antes de chegar ao próprio PSDB.
Em 2016, a recessão comandada por Dilma Rousseff (PT) deu condições políticas para o seu impeachment, e após um sucesso parlamentar inicial, o governo sucessor de Michel Temer (MDB) afundou-se em uma crise política e ética sem fim.
A derrocada de Temer deu oxigênio ao PT, agarrado no discurso de que fora vítima de um golpe.
Ao fim, contudo, Haddad não soube criar um fio narrativo coeso para driblar a acusação de leniência com os erros e alienou aliados em potencial —como Ciro Gomes (PDT), que saiu em terceiro lugar no primeiro turno e recusou declarar voto no petista.
Se a negação ao petismo já era uma forma de protesto contra o sistema político como um todo, ela acabou creditada na conta de Bolsonaro, e não na de figuras tradicionais.
Sua ascensão meteórica foi largamente ignorada pelo mundo político até o fim do ano passado, quando a intenção de voto resiliente atrás de Lula o tornou foco de atenção.
Mas Bolsonaro estava na rua desde 2014. Ou melhor: estava na nuvem, no mundo virtual em que montou uma eficaz e bastante contestada estratégia de promoção.
O uso intensivo de multiplicação de mensagens por meio do aplicativo WhatsApp e a adesão ao recurso de comunicação direta por meio de redes sociais foram importados dos EUA —não por acaso, Bolsonaro se diz grande fã do presidente Donald Trump.
Assim como o americano, ele é acusado de disseminar fake news e desinformação, o que nega. Como a Folha mostrou na semana passada, o impulsionamento de mensagens negativas ao PT foi comprado por empresários —Justiça Eleitoral e Polícia Federal investigam se houve crime e ligação com a campanha de Bolsonaro, uma sombra que irá acompanhar o novo presidente.
O deputado, por sua vez, só dobrou a aposta ao criticar o jornal —e processar seus profissionais— e a mídia em geral. Promete rever critérios de distribuição de verba publicitária federal.
Em outubro de 2015, quando decidiu pela candidatura, ele começou a percorrer o país para apresentar-se como um improvável “novo”, mesmo sendo deputado federal desde 1991 —será o presidente com a mais longa trajetória parlamentar desde José Sarney.
Era recebido em aeroportos por pequenas multidões, que gravavam e divulgavam as imagens em tempo real. Ganhou a alcunha de “mito".
Montado numa estrutura confusa e amadora, cercou-se de militares da reserva e conselheiros de setores conservadores, como ruralistas e evangélicos.
Seu verdadeiro núcleo duro, contudo, é a família. Bolsonaro tem quatro filhos adultos e uma filha de 7 anos. Os três mais velhos integram seu QG: o senador eleito Flávio (PSL-RJ), o deputado federal reeleito Eduardo (PSL-SP) e o vereador carioca Carlos (PSL).
Criou uma imagem inoxidável a críticas, cujo ambiente controlado e isolado após a facada ajudou a preservar.
O fato de enaltecer um torturador da ditadura, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, e o de ser réu por incitação ao estupro não foram suficientes para lhe tirar apoio. A promessa de “quebrar o sistema”, nas suas palavras, falou mais alto.
Apresentou um único fiador ao mundo dos negócios, o economista Paulo Guedes. Apesar das desconfianças da exequibilidade de suas ideias ultraliberais e do risco da dependência de um personagem demissível pelo presidente, ao fim o consenso entre analistas de mercado financeiro avaliou Bolsonaro como um nome mais benigno que o de Haddad.
Não foi um processo automático. Há um ano, a Folha entrevistou vários analistas voltados ao mercado e todos eram unânimes em apontar Geraldo Alckmin (PSDB) ou um representante do “novo” como favoritos na disputa —mas o “novo” na época nunca foi Bolsonaro.
Aos poucos e discretamente, eventos de bancos de investimento começaram a ter o deputado como estrela.
Sem atrair grandes empresários tradicionalmente associados à política, como empreiteiros, Bolsonaro começou a entusiasmar setores da economia mais próximos do sentimento popular na ponta, como pequenos empresários e donos de redes de varejo.
Desde 2017, um núcleo de generais da reserva liderado pelo já anunciado futuro ministro da Defesa, Augusto Heleno, começou organizar grupos de trabalho para desenhar o programa de governo.
Não sem surpresa, pouco se sabe de fato do que será proposto e, principalmente, de como será feita a mediação com um Congresso sem partidos fortes.
Insinua-se um acordo com o centrão, DEM à frente, para garantir a articulação de suas primeiras medidas. Como isso será negociado para evitar a ideia de adesão aos métodos que prometeu combater é algo ainda a ver, como de resto tudo no governo: é a primeira vez que a hegemonia PT-PSDB é quebrada desde 1994 em nível federal.
Seja como for, o processo não será simples. Bolsonaro já prometeu trabalhar em favor da pacificação do país, mas a disputa conseguiu ser mais polarizada do que a já conturbada vitória de Dilma sobre Aécio Neves (PSDB) em 2014.
Bolsonaro é descartado liminarmente por adversários, tanto que sua rejeição pública é expressa em termos pessoais: #EleNão é o mote da campanha e deverá permanecer no cenário político.
Com informações da Folha de São Paulo.
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